Quem controla o software, o hardware e a conexão de rede controla o mundo digital. O controle sobre as interfaces digitais também modula as possibilidades de interação entre todos, porque as linhas dos códigos funcionam como leis que estipulam regras para a relação entre indivíduos. Quem controla o armazenamento e a troca de informações dispõe de meios para extrair valor e gerar lucro com o uso delas. Assim, aquele que detém e vende essas tecnologias possui mais poder do que quem as compra, pois o usuário não tem poder de alterar o modo como o código está escrito ou como o serviço será executado.
As Big Techs têm um enorme interesse na área da educação. Talvez por ser um setor com uma das maiores fatias do orçamento público. Nesse contexto, cada vez mais essas empresas criam departamentos inteiros voltados para a venda de serviços educacionais – softwares, armazenamento em nuvem, serviço de e-mail institucional e plataformas de videoconferência – e há uma crença de que as tecnologias produzidas no Vale do Silício trazem soluções insuperáveis: as mais eficientes, velozes, produtivas e baratas.
Entretanto, quase não se considera que elas podem trazer problemas para a soberania nacional e para o desenvolvimento da ciência e da educação brasileira.
Ao usarmos softwares da Microsoft, pagamos mensalmente para a empresa e deixamos de investir no desenvolvimento dos nossos próprios sistemas. Ao contratar o armazenamento em nuvem da Amazon, deixamos nossos arquivos à mercê dos interesses corporativos e, como se não bastasse, toda a nossa pesquisa científica fica armazenada em servidores localizados nos Estados Unidos, possibilitando a invasão dos agentes governamentais estadunidenses, como demonstrou Edward Snowden em sua denúncia contra a vigilância em massa promovida pela NSA.
Ao usarmos serviços de e-mail da Google, possibilitamos que o texto seja varrido com robôs, que serão usados para nos oferecer produtos em anúncios orientados pelos nossos interesses registrados em conversas privadas. Por fim, ao usar as plataformas de videoconferência das Big Techs, somos treinados a tornar-nos usuários convictos de que os sistemas das empresas são os mais “amigáveis” e “intuitivos” e que, por isso, são os melhores para serem usados, criando uma dependência mercantil perpétua. É a profecia autorrealizada.
Cerca de 70% das universidades federais brasileiras já aderiram aos serviços das Big Techs1. Essa adesão parece ser estimulada principalmente por dois motivos: (1) a crença neoliberal de que o Estado não deve desenvolver esse tipo de tecnologia e de que somente as empresas são capazes de executar esse tipo de serviço com qualidade – o que é falso, pois o Brasil está cheio de profissionais qualificados para estruturar os serviços de telecomunicação – e (2) a falta de investimento na criação de infraestruturas digitais públicas, o que obriga os gestores a assinarem contratos de serviços gratuitos, mas que depois de pouco tempo se tornam pagos.
Não se trata de ir contra o avanço tecnológico, numa crença ludita de que as máquinas são malévolas, mas sim de uma luta pelo desenvolvimento tecnológico brasileiro. Trata-se de preservar os dados dos servidores, professores e alunos das universidades públicas brasileiras, desenvolvendo aparatos digitais próprios. Trata-se de ter soberania sobre os meios de comunicação e de evitar o aprisionamento tecnológico que cria dependências irrecuperáveis. Trata-se de não vender nossos dados pessoais e de comportamento para empresas com estratégias de negócio que nem sempre priorizam o bem estar público em troca do uso de sistemas que poderiam ser criados por nós mesmos.
Não precisamos de Big Techs que se vendem como parceiras benevolentes. Precisamos de investimento para a criação de uma infraestrutura digital pública que será usada pelas universidades numa busca pelo avanço da ciência brasileira. Precisamos que parte do orçamento seja destinado à criação de estruturas de armazenamento localizadas em nosso país e que elas comportem as diversas necessidades do ensino superior.
Precisamos de fomento às ações de desenvolvimento de Inteligências Artificiais que incorporem as cosmovisões dos povos e comunidades que habitam nosso país. Não aceitamos o papel subalterno na divisão mundial do trabalho controlada pelas Big Techs. Queremos soberania e tecnodiversidade. Não aceitamos o bloqueio à nossa criatividade.
Capol (Centro Acadêmico de Políticas Públicas da UFABC)2
Sérgio Amadeu da Silveira
1 Dado retirado dos trabalhos de pesquisa do Observatório Educação Vigiada. Disponível em: <https://educacaovigiada.org.br/pt/sobre.html>
2 O Capol é composto por alunos de graduação e pós-graduação do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC. Neste manifesto, escreve Gabriel Boscardim de Moraes com a contribuição de Gabryella Leonel e Isabella Tardelli Maio.
Como citar o Manifesto?
MORAES, Gabriel Boscardim de; SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. et al. Manifesto pela Soberania Digital nas Universidades Públicas Brasileiras. Centro Acadêmico de Políticas Públicas | UFABC, 10 set. 2023. Disponível em: https://manifestosoberaniadigital.com.br/. Acesso em dia, mês, e ano.
Quem pode assinar:
Professores de universidades públicas;
Entidades acadêmicas (Centros acadêmicos, diretórios estudantis, grupos de pesquisa, laboratórios, observatórios ou institutos);
Entidades da sociedade civil que trabalhem com temas como internet, tecnologia, mundo digital, comunicação e educação.
ENTIDADES QUE ASSINAM:
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
LAVITS – Rede Latinoamericana de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP)
Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados, Informática e Tecnologia da Informação do Estado de Pernambuco
Diretório Acadêmico XIV de Março – Unifesp
Diretório Central dos Estudantes – UFABC
Centro Acadêmico do Bacharelado em Ciência e Tecnologia – UFABC
Centro Acadêmico de Relações Internacionais – UFABC
Centro Acadêmico de Ciências Econômicas – UFABC
Centro Acadêmico do Bacharelado de Ciências e Humanidades – UFABC
Diretório Acadêmico Sigma – UFABC
Centro Acadêmico do Bacharelado em Planejamento Territorial – UFABC
Instituto Mais Democracia
Associação do Professores das Universidades Federais de Santa Catarina – APUFSC Sindical
Instituição Minas Programam
Centro Acadêmico de Gestão Pública – IFB
Centro Acadêmico de Letras – Universidade Federal de Jataí
Coletivo ParaTodos
Centro Acadêmico Samuel Pessoa de Medicina – UEL
Diretório Acadêmico de Engenharia Química – FURG
ENTIDADES QUE ASSINAM:
Jerônimo Pellegrini – UFABC
Diego Sanches Corrêa – UFABC
André Pasti – UFABC
Maria Caramez Carlotto – UFABC
Livia de Tommasi – UFABC
Flávio Rocha de Oliveira – UFABC
Miguel Said Vieira – UFABC
Claudio Luis de Camargo Penteado – UFABC
Daniel Miranda Machado – UFABC
Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho – UFABC
Eduardo Gueron – UFABC
Adalberto Mantovani Martiniano de Azevedo – UFABC
Denise Hideko Goya – UFABC
Carlos da Silva dos Santos – UFABC
Luciana Pereira – UFABC
Alessandra Teixeira – UFABC
Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky – UFABC
Flávia da Fonseca Feitosa – UFABC
Vitor Vieira Vasconcelos – UFABC
Klaus Frey – UFABC
Armando Caputi – UFABC
Gerardo Silva – UFABC
Luciana Nicolau Ferrara – UFABC
Jeroen Johannes Klink – UFABC
Patrícia Helena Fernandes Cunha – UFABC
Fernanda Cardoso – UFABC
Monica Yukie Kuwahara – UFABC
Luís Felipe Aires Magalhães – PUC SP | Visitante UFABC
Paulo Sérgio da Costa Neves – UFABC
Gilberto Marcos Antonio Rodrigues – UFABC
Luciano Puzer – UFABC
Danilo Trabuco do Amaral – UFABC
José Artur Quicili-Gonzales – UFABC
Maria Cristina Carlan da Silva – UFABC
Marcelo Matsudo – UFABC
Victor Fernandez Nascimento – UFABC
Tatiana Berringer de Assumpção – UFABC
Rodrigo Fresneda – UFABC
Gilberto Martins – UFABC
Simone Rodrigues de Freitas – UFABC
Sylvain Fichet – UFABC
Alexander de Freitas – UFABC
Rafael Ribeiro Dias Vilela de Oliveira – UFABC
Rita Santos Guimarães – UFABC
Alexandre Hideki Okano – UFABC
Bóris Marin – UFABC
Graciella Watanabe – UFABC
Luiz de Siqueira Martins Filho – UFABC
Daniel Zanetti de Florio – UFABC
Suze Piza – UFABC
Rodrigo Roque Dias – UFABC
Silvana Maria Zioni – UFABC
Márcia Aparecida Sperança – UFABC
Ana Lígia Barbour Scott – UFABC
Marcelo Bussotti Reyes – UFABC
Sidney Jard da Silva – UFABC
João Paulo Simões Vilas Bôas – UFABC
Carolina Moutinho Duque de Pinho – UFABC
Giselle Watanabe – UFABC
Harlen Costa Batagelo – UFABC
Andre Paniago Lessa – UFABC
Meiri Aparecida Gurgel de Campos Miranda – UFABC
Tárcio Minto Fabrício – UFABC
José Paulo Guedes Pinto – UFABC
Reynaldo Palacios Bereche – UFABC
André Martin Timpanaro – UFABC
Ana Tereza Lopes Marra de Sousa – UFABC
Wesley Góis – UFABC
Artur Franz Keppler – UFABC
Marcelo Araújo da Silva – UFABC
Maria Luiza Levi Pahim – UFABC
Paris Yeros – UFABC
Gabriel A. A. Rossini – UFABC
Daniel Pansarelli – UFABC
Célio Adrega de Moura Junior – UFABC
Alberto Edmundo Fabricio Canseco – UFABC
Valter Pomar – UFABC
Luciana Travassos – UFABC
Olavo Luppi Silva – UFABC
Francisco José Gozzi – UFABC
John Kennedy Ferreira – UFMA
Lincoln Secco – USP
Joana Aparecida Coutinho – UFMA
José O. Alcântara Jr. – UFMA
Filipe Saraiva – UFPA
Elizabete Campos de Lima – UFABC
Daniel Mendes Gomes – UFABC
Glaucia Maria Gleibe de Oliveira – UnB
Marilene Corrêa da Silva Freitas – UFAM
Celso Augusto Torres do Nascimento – IFAM
Persida da Silva Ribeiro Miki – UFAM
Maria Izabel de Medeiros Valle – UFAM
João Marcelo Borovina Josko – UFABC
Antonio Ibanez Ruiz – UnB
Cristina Velia Silveira Brandão – UnB
José Carlos Balthazar – UnB
Maria Inês Sucupira Maciel – UFRPE
Francisco de Assis Zampirolli – UFABC
João Henrique Kleinschmidt – UFABC
Alberto Santoro – UERJ
Marcelo Caetano – UFABC
Marcela Ribeiro da Silva – UFABC
Alexei Magalhães Veneziani – UFABC
Aritanan Borges Garcia Gruber – UFABC
Raffaele Amazonas Novellino – UEA
Luciana Xavier de Oliveira – UFABC
Simone Evangelista Cunha – UERJ
Ana Maria de Almeida Ribeiro – Superintendente Geral de Tecnologia da Informação e Comunicação da UFRJ
Renato Peixoto Dagnino – UNICAMP
Cedric Rocha Leão – UFABC
Rafael Evangelista – UNICAMP
Henrique Parra – Unifesp
Rodrigo Barbosa Ribeiro – Unifesp
Priscila Benitez – UFABC
Kérley Winques – UFJF
Paulo Roberto Miranda Meirelles – USP
Helena França – UFABC
Nelson Pretto – UFBA
Lucila Pesce – Unifesp
Simone Lucena – UFS
Leonardo Zenha – UFPA
Daniel de Queiroz Lopes – UFRGS
Marina Bazzo de Espíndola – UFSC
Leonardo José Steil – UFABC
Rita Argollo – UESC
Paulo Francisco Slomp – UFRGS
José Eduardo de Lucca – UFSC
Alaim Souza Neto – UFSC
Tiago Juliano Ferreira – IFSC
Carlos Ernest Dias – UFMG
Leonardo Koury Martins – Representação do Conselho Federal de Serviço Social no FNDC
André Luis La Salvia – UFABC
Kaio Eduardo – UFRB
Carlos Astor Araujo Palmeira – IF Baiano
Marcio Vieira de Souza – UFSC
Fernando Jose Spanhol – UFSC
Teófilo Augusto da Silva – UNIFESSPA
Salete Noro – UFBA
Fábio Luiz Tezini Crocco – Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
George Bernard Sperber – USP
Suzi Frankl Sperber – UNICAMP
Agueda Bernardete Bittencourt – UNICAMP
Adriana Maria Bernardes – UNICAMP
Felippe Alexandre Silva Barbosa – UNICAMP
José Claudinei Lombardi – UNICAMP
Raquel de Almeida Moraes – UnB
Marcos Francisco Martins – UFSCar
Lucio França Teles – UnB
Lucas André Teixeira – Unesp
Joel Eugênio Cordeiro Junior – IFBA
Daniela Zanetti – UFES